Educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática

Pouco estimuladas desde a infância a se interessar por ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, em inglês), as meninas ainda são minoria nessas áreas, tradicionalmente dominadas por homens. Um estudo realizado pelas Nações Unidas mostra que no ensino superior, somente 35% dos graduandos em STEM são mulheres.

Educação Meninas e Mulheres Tecnologia

Dentre os motivos para a baixa adesão feminina apontados pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) no relatório “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)” estão a socialização das mulheres, a educação na escola e a criação em casa. Os dados são de mais de 120 países.

Todos esses pontos são permeados ainda, conforme o relatório, pelos estereótipos de gênero. Dentre os principais, duas ideias equivocadamente repetidas na sociedade se destacam nas áreas de STEM: uma, que diz que os meninos são melhores em matemática e ciência que as meninas, e outra, em que as pessoas afirmam que as carreiras em ciência e engenharia são domínios masculinos.

O resultado da perpetuação dessas condutas é percebido logo nos primeiros anos de vida, nas experiências escolares. A falta de estímulo na sala de aula para que as meninas gostem e busquem conhecer mais aspectos do campo das ciências exatas aprofunda o abismo entre mulheres e homens. Um ambiente desigual, com poucas professoras mulheres na área, intensificam a desigualdade, conforme a Unesco.

Uma pesquisa feita no Reino Unido mostra que meninos e meninas entre 10 e 11 anos apresentavam praticamente o mesmo nível de envolvimento com ciência, tecnologia, engenharia e matemática, sendo que 75% das pessoas do sexo masculino disseram ter aprendido temas interessantes nas ciências. A porcentagem das mulheres foi de 72%. Já entre pessoas de 18 anos, a proporção cai para 33% de meninos e 19% de meninas.

No ensino superior, o padrão se repete. O estudo realizado pela ONU destaca que os homens são maioria em cursos de engenharia, construção e tecnologia da informação, enquanto as mulheres ocupam mais cadeiras nas graduações dos campos de artes, humanidades, jornalismo, educação e direito.

Fatores de influência  

Embora muitas pessoas argumentem que as diferenças biológicas entre mulheres e homens são responsáveis por habilidades acadêmicas distintas, a Unesco afirma que o mecanismo neural de aprendizagem de meninas e meninos é semelhante. O que pode variar, independente do sexo, e deve ser estimulada ainda durante a infância é a neuroplasticidade do cérebro, ou seja, a capacidade que o órgão tem de criar novas conexões.

O relatório mostra ainda que a reprodução dos estereótipos de gênero segue na dianteira dos fatores que fazem com que as meninas se mantenham longe de carreiras científicas, que são conhecidas como “domínio masculino”. Esse conceito equivocado pode, conforme o estudo, afetar negativamente o interesse, o envolvimento e o desempenho feminino na área.

Além dos aspectos escolares, o processo de socialização das mulheres fora da sala de aula também influencia para que elas não queiram escolher estudar e trabalhar nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Pesquisas mostram que o interesse feminino nesses campos vai se perdendo ao longo do tempo, o que sugere uma necessidade de políticas públicas e ações para que isso não ocorra, como aponta a organização.

O ambiente de convivência e o contexto sociocultural exercem importantes papeis na motivação ou no desencorajamento das meninas a se interessarem por ciência e tecnologia. Crenças e expectativas dos pais, valores e estrutura familiares, renda e status socioeconômico e até o nível de escolaridade dos responsáveis afetam o envolvimento feminino.

Até mesmo a ausência de figuras femininas relevantes nos livros didáticos faz com que as meninas percebam a matemática e as ciências como campos distantes. Com essa lacuna, as estudantes não se reconhecem e não se identificam com exemplos de outras mulheres que atuaram e ainda trabalham ativamente na área de STEM.

Ainda que existam grandes exemplos de mulheres que fizeram grandes descobertas para o desenvolvimento da tecnologia, como Ada Lovelace, considerada a primeira programadora da história, e Marie Curie, uma das expoentes mais conhecidas e faladas em sala de aula por suas pesquisas pioneiras com radioatividade, as cientistas e pesquisadoras seguem recebendo baixo destaque nas escolas.

Como envolver as mulheres no ambiente de STEM?

Mesmo que a participação feminina nas áreas de ciência e tecnologia esteja cercada de estereótipos e distante do ideal, nem todas as mulheres são criadas em um ambiente que reproduz fortemente esses conceitos errôneos. Nesse contexto, as que têm autoconfiança e conseguem bons resultados em matérias de STEM tendem a seguir essas carreiras e a apresentar bom desempenho, como aponta o relatório da Unesco.

Além disso, um conjunto de ações nos ambientes escolar e familiar, aliado a políticas públicas para a inserção das meninas no campo científico podem transformar essa realidade. Um dos exemplos de medidas a serem tomadas pelos governantes para promover a igualdade de gênero é a criação de cotas para mulheres, e até incentivos financeiros para que elas integrem as áreas de STEM.

Reforçar o aprendizado de habilidades linguísticas, espaciais e numéricas desde a primeira infância é um das saídas viáveis para que as meninas comecem a se integrar no mundo das ciências e da matemática desde cedo. A brincadeira com blocos, por exemplo, pode ajudar nesse sentido.

O reconhecimento de outras mulheres importantes para o campo de STEM também ajuda a trazer à tecnologia uma visão positiva, além de estimular a autoconfiança das meninas. Esse sentimento de segurança das próprias capacidades, e da possibilidade de se tornar ainda melhor com a prática e a dedicação, deve ser promovido e endossado pela família e pelos professores.

Aliás, o papel da família na educação das meninas também é essencial para que elas se sintam motivadas e confiantes. Os pais podem apontar falsos estereótipos e indicar que o caminho de ciências, tecnologia, engenharia e matemática não é, nem de longe, uma possibilidade somente masculina.

Mudanças nas escolas

Uma instituição de ensino que apresenta professoras, especialmente nas disciplinas de exatas, pode ser motivadora para alunas que queiram seguir essas áreas e se veem representadas nas figuras femininas. O estudo da Unesco traz ainda algumas orientações de postura docente que podem auxiliar nesse processo de inclusão feminina.

O desenvolvimento de uma cultura científica, utilizando linguagem neutra, sem marcas de gênero, inclusive nos materiais didáticos, o incentivo à pesquisa, em casa e na escola, por meio de aulas em laboratórios e também em computadores são algumas das medidas que podem ser adotadas por professoras e professores.

A proposição de atividades extraclasse envolvendo STEM, como visita a museus e  a centros científicos e realização de trabalhos de campo, também é importante para despertar a curiosidade e o interesse das alunas. O acesso a programas de tutoria e bolsas nas exatas é outro motivador.

Possíveis políticas públicas

Além disso, a formulação de políticas públicas voltadas para a redução das disparidades de gênero em carreiras de ciência, tecnologia, engenharia e matemática é um caminho a ser tomado pelos governantes, como aponta o relatório. Em 2016, a Austrália destinou parte do seu orçamento anual (AU$ 8 milhões) para projetos que inspirem mulheres a estudar STEM.

Parcerias com setores de treinamento, educação em tecnologia, segundo a Unesco, também são métodos de cobrir determinadas deficiências na área e capacitar alunas e professores. Universidades, escolas técnicas, ONGs e iniciativas do setor privado são alguns dos organismos que podem ser procurados para esse incentivo.

Entrevista: Iana Chan – PrograMaria

No Brasil, há mulheres se movimentando para mudar esse cenário de desigualdade de gênero. Uma delas é Iana Chan, jornalista e criadora da PrograMaria, organização voltada para o ensino de programação e empoderamento de mulheres na área de tecnologia.

Na entrevista abaixo, ela fala sobre o tema, suas experiências com a inclusão, a importância da diversidade para os negócios e destaca iniciativas que podem ajudar brasileiras que querem trabalhar no mercado de tecnologia.

1) O meio da programação e de STEM ainda tem baixa participação de mulheres, embora hoje existam iniciativas para incentivar a presença feminina nessas áreas. Por que as mulheres ainda ocupam poucos postos? O que precisa ser feito para integrá-las?

Apesar de maioria no ensino superior, no Brasil, as mulheres são cerca de 15% dos alunos de cursos relacionados à computação e apenas 17% do mercado brasileiro de TI. Muita gente utiliza esses dados para confirmar que as mulheres não possuem interesse nessa área, mas é preciso entender que esses dados são consequência de uma narrativa cultural: somos ensinadas desde pequenas a sermos cuidadoras e a servir, ganhamos bonecas e conjuntinho de panelas para brincar, enquanto aos homens são reservadas outras expectativas. Durante muito tempo, o computador e o videogame foram objetos direcionados para os meninos. Tudo isso cria esse estereótipo tão difundido de que mulher e tecnologia não combinam.

O senso comum – e errôneo – de que “mulheres não são boas em matemática” tem consequências na relação negativa que muitas mulheres acabam criando com a tecnologia e nas carreiras que escolhem seguir. Não dá para simplificar e dizer que se trata apenas de “falta de interesse”, é importante problematizar como essas experiências, estímulos e oportunidades distintos contribuem para a desigualdade na área. Também é preciso debater sobre o ambiente hostil que elas encontram quando estudam ou trabalham na área, devido ao machismo enraizado em nossa cultura.

2) Como essa inclusão vem ocorrendo e por que é importante termos cada vez mais mulheres na área de STEM?

Precisamos de mais mulheres em tecnologia porque antes de mais nada faltam profissionais qualificados na área de TI (Tecnologia da Informação). Independentemente do gênero, as empresas têm um desafio enorme para recrutar talentos técnicos, escassez que tem a ver também com o baixo número de mulheres na área.

Além disso, é estratégico recrutar mais mulheres: a inovação será muito mais disruptiva quanto mais diversidade houver nas empresas. É muito mais fácil inovar quando se tem diversidade de gênero, étnico-racial, cultural e social, porque essa riqueza traz diferentes perspectivas sobre um mesmo problema e faz com que as soluções “fora da caixa” apareçam.

Um estudo da McKinsey [que resultou no relatório Diversity Matters] com mais de mil empresas confirmou que organizações com diversidade de gênero e de etnia têm mais chance terem retorno financeiro acima da média.

Por fim, queremos que as mulheres sejam capazes de tornarem-se não apenas consumidoras, mas produtoras de tecnologia. Quantos projetos, empreendimentos e startups poderiam sair do papel se as mulheres se apropriássem dessa habilidade?

É um contrasenso vivermos em plena era da economia digital, em que a tecnologia dita boa parte das inovações no mundo e as mulheres não fazerem parte de forma igualitária da produção dessa tecnologia que revoluciona a forma como nós nos comunicamos, aprendemos, compramos…

3) Quais iniciativas que incentivam a presença feminina em STEM você destacaria?

O tema do empoderamento feminino da tecnologia está em alta, existem uma série de projetos que estão trabalhando com a questão, como Pyladies, Minas Programam, Rails Girls, Info Preta, Reprograma, Mulheres na Computação, Maria Lab, Desprograme, Codamos, entre tantos outros!

A PrograMaria começou como um clube de programação para mulheres que queriam aprender a programar. Reuni outras mulheres, designers, jornalistas e programadoras, para aprendermos juntas! Quando vimos que as dificuldades e barreiras entre nós e a tecnologia era um problema de muitas outras mulheres, decidimos criar uma iniciativa com a missão de empoderar mulheres com tecnologia e programação.

As atividades da PrograMaria são fundamentada em 3 pilares: inspirar, debater e aprender. Em Inspirar, a ideia é trazer representatividade. Apesar de minoria, existem inúmeras mulheres com contribuições relevantes para a tecnologia – no passado e no presente! Produzimos conteúdo e realizamos eventos para dar voz a essas mulheres, além de desmistificar o conceito de “pessoa programadora”, muitas vezes personificado em homens, nerds e gênios.

No pilar Debater, buscamos qualificar a discussão sobre a falta de mulheres na área,  a fim de mostrar não só as barreiras que separam as mulheres da tecnologia, mas também os desafios de quem estuda ou trabalha na área.

Em Aprender, oferecemos cursos e oficinas para apoiar não só mulheres que desejam ingressar no universo da programação, mas também para ajudar mulheres que já estão no mercado e desejam dar um passo a mais e assumir posições de liderança. Atendemos empresas que acreditam nessa potência e têm o desafio de contratar mais mulheres.


Curso Online


[su_posts posts_per_page=”8″ tax_term=”1″ offset=”1″ order=”desc”]

Sair da versão mobile